terça-feira, 11 de junho de 2013

Desossar as horas...



AS HORAS

Desossar as horas.
Expor suas carcaças ao vento
e permitir que as harpias as devorem
lentamente.
Desfiar suas carnes
há muito apodrecidas.

Desossar as horas,
desmembrar seus ossos
e lançar aos cães as suas vísceras.

E as horas, que nos devoram,
serão elas, enfim, a caça,
e suas almas mortas
hão de vagar, sem destino,
nos escuros vãos
da memória.

Idmar Boaventura.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Quando passaste, naquela manhã brumosa...




 A CONTEMPLAÇÃO DAS ROSAS

Quando passaste, naquela manhã brumosa,
sob os olhos úmidos dos teus companheiros,
eram tão serenos os teus
que eu disse a mim mesmo:
"sonhas".
Mas as rosas caíam com tal soturnidade,
com tal melancolia,
que a mim só restaram teus olhos
gravados na memória,
e o instante em que as rosas
se esconderam na areia.

Idmar Boaventura

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Liberto de todo o peso...



LEVITAÇÃO - II

Bebi das águas do Lethes,
e enfim adormeci.
Para acordar sem angústias,
liberto de todo o peso.
Para, enfim, poder ser leve.
Acordar com o chilreio dos pardais,
adormecer com as cigarras
e, no entremeio, levitar
como quem alcançou a graça do nada:
leve como a sombra de uma pluma,
como a brisa
que se esquece de passar.



sábado, 26 de janeiro de 2013

Vou me despir de todo o peso...



 LEVITAÇÃO


Vou me despir de todo o peso.
Serei leve.
Não quero o sangue espesso dos dias
nem o vento das inglórias semeaduras.
Quero antes
o tom suave das auroras
e a breve brisa da tarde.
Ah, quero ser leve
como o verde da menina dos teus olhos,
leve como uma manhã de sol
que se esquece de passar.
Quero amanhecer
cercado de céu e nuvens.





quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Desossar as horas...
















 

 AS HORAS

Desossar as horas.
Expor suas carcaças ao vento
e permitir que as harpias as devorem
lentamente.
Desfiar suas carnes
há muito apodrecidas.

Desossar as horas,
desmembrar seus ossos
e lançar aos cães as suas vísceras.

E as horas, que nos devoram,
serão elas, enfim, a caça,
e suas almas mortas
hão de vagar sem destino
nos escuros vãos
da memória.






sábado, 5 de janeiro de 2013

Talvez teu encanto provenha...


LÍQUIDO



Talvez teu encanto provenha
desse teu jeito de água:

da fluidez de teu corpo
que lembra a leveza das vagas,

de teu escapar-me tão líquido,
que em um segundo se detém,
e logo depois se espalha,

desse teu jeito de nuvem
fugindo de meu abraço.

Mas talvez nem seja isso:
diante de tua dureza,
eu é que me liquefaço.
 

                     Idmar Boaventura

sábado, 29 de dezembro de 2012

Bendito seja Janeiro...
























ANO NOVO

Bendito seja Janeiro,
que nos dá a chance de começar           de        novo.
Dezembro é crepúsculo. Tem gosto
de coisas velhas guardadas na gaveta
com as luzinhas da árvore de natal.
Dezembro, mês de balanço,
é cansaço, desencanto.
O que não se fez. O que não se cumpriu.
O que poderia ter sido.

Mas quando Janeiro, menino,
                                                   desponta  no horizonte,
com sua roupa branca e cheiro de mar,
tudo se renova:
aquela dieta, o guarda-roupa, desencontros, amores:
tudo que havemos de ser,
ainda que não seja.
E assim, ano          a           ano,
Janeiro nos rejuvenesce,
com sua porção generosa

                            de esperança.